O Dia Mundial do Mar foi instituído pela Organização Marítima Internacional (IMO), uma das agências da Organização das Nações Unidas, e é celebrado na última semana de Setembro ou primeira de Outubro, sendo o dia específico deixado à escolha de cada Governo. Este ano, Portugal alinhou pela data apontada pela IMO e celebra hoje, dia 26.
Sendo a IMO uma instituição orientada para a segurança dos navios e do tráfego marítimo é com naturalidade que o tema escolhido este ano verse a importância do Sistema de Transporte Marítimo Internacional. Pelo que tenho observado, há realmente um empenho superlativo na tentativa de conceber melhores navios, capazes de transportar cargas com menor prejuízo ambiental e com maior eficiência económica.
Neste momento, por exemplo, a empresa VikingLine já possui um grande navio de transporte de passageiros cujo motor principal funciona com Gás Natural Liquefeito. Segundo um dos representantes do operador, de quem tive a oportunidade de ouvir uma interessantíssima palestra, os níveis de compressão obtidos na liquefação são da ordem das 600 vezes. É ótimo para ambiente, mas mau para as intenções de estabelecimento de um posto abastecedor para o tráfego internacional nos Açores. Se a tecnologia continua a avançar desta forma, dificilmente nos tornaremos um ponto de paragem obrigatória para os navios que cruzam o Atlântico Norte.
Um dos grupos de trabalho da IMO está a trabalhar na redução do ruído subaquático [ver páginas 40-43, *]. Este é um tema para muitos desconhecido, mas de primordial importância. Grande parte dos cetáceos comunica com base nos sons que emitem [*] e o ruído provocado pelo somatório das embarcações está longe de ser inerte [*]. Em certas zonas, como na costa Ocidental de Portugal Continental, falar, para os cetáceos, deverá ser como tentar comunicar na discoteca da moda às duas da manhã... De facto, as grandes baleias, capazes de fazer as suas longas canções circular até milhares de quilómetros de distância, estão hoje muito limitadas na captação destes sons [*].
No passado, houve grandes problemas causados por ensaios de deteção militar submarina utilizando baixas frequências sonoras. O resultado dessas tentativas foi uma elevada mortalidade em baleias-de-bico [*]. Felizmente, pararam.
Os objetivos são ambiciosos e do conhecimento público. Pretende-se reduzir as emissões de CO2 relacionadas com o transporte marítimo em 30% até 2020 e, imagine-se, 80% até 2050! A redução esperada de óxidos de azoto e enxofre (também conhecidos pela estranha sigla NOxSOx) é de 100% até 2050 [*, *, *]. Melhor não seria possível. Em termos de som, aponta-se também para uma redução considerável: 3dB até 2020 e 10dB até 2050!
Há também ambiciosos objetivos traçados para o aumento da segurança marítima e essa passa muito pelo que faz uma instituição que tem sede em Lisboa. A Agência Europeia para a Segurança Marítima (EMSA) faz uma auscultação permanente ao tráfego marítimo europeu e emite avisos e recomendações. O projeto mais emblemático desta agência, o SafeSeaNet, que permite aos Estados membros da União Europeia, à Noruega e à Islândia, fornecer e obter informações sobre o movimento de embarcações, já tem milhares de utilizadores permanentes [*, *].
Apesar dos transportes marítimos serem um sector de importância primordial para os Açores, penso que o mar, felizmente, é muito mais do que uma enorme estrada aquática. Lá, nesse vastíssimo mar, está o alimento, a inspiração, a ciência, a recreação e a aventura. Este Mar dos Açores, que até há pouco apenas usávamos para transportes, comunicações submarinas (cabos) e para as pescas, começa a revelar parte do seu vasto potencial. Vemos, nomeadamente, possibilidades relacionadas com a aquacultura, biotecnologia com base em organismos do mar, mineração dos fundos marinhos, turismo [*] e energias offshore. Estas prioridades não são apenas uma visão pessoal. Nada disso. Estas são as prioridades da pragmática Comissão Europeia em termos de orientação de investimento [*, *, *, *]. Portanto, este não é apenas o caminho, mas é dos poucos caminhos que serão beneficiados pelos milhões que a Comissão colocou à disposição dos Açores para investimento nos próximos anos.
Ao Governo dos Açores caberá, como bem tem feito, distribuir verbas pelos investidores e dotar-se a si próprio das ferramentas que lhe permitam estudar o mar, vigiá-lo e fiscalizá-lo. Seja em cooperação com instituições como a Universidade dos Açores, a Marinha de Guerra Portuguesa e outras entidades, ou reforçando as Inspeções Regionais do Ambiente e das Pescas, terá de ser capaz de acompanhar e estimular o uso sustentável do vasto oceano. Olhando para as decisões feitas ao mais alto nível, apenas tenho de estar confiante.
O mar esconde segredos que poderão colocar os Açores em posição privilegiada para ajudar a resolver os problemas financeiros de Portugal [*], poderão solucionar algumas das doenças que o século XXI ainda herdou [*] e poderão inspirar as gerações futuras como o fizeram com as gerações passadas [*, *]. Certamente, iremos multiplicar por várias vezes as duas mil espécies já registadas no nosso mar [*, *], iremos descobrir novas substâncias e iremos encontrar soluções engenhosas para situações de poluição excessiva. Para que tudo isto aconteça nos 9 milhões de quilómetros cúbicos de água salgada que envolvem as nossas ilhas “apenas” é necessário investimento, conhecimento e organização.
Este é o mar real. Aquele mar que temos à beira das nossas ilhas e que insiste em se insinuar, como uma benigna caixa de Pandora.
Impõe-se, no entanto, tecer umas breves considerações sobre informações que têm circulado na comunicação social sobre gigantescos e misteriosos artefactos subaquáticos entre as ilhas da Terceira e São Miguel [*: tela de Carlos Carreiro que mostra claramente a "pirâmide"]. A primeira observação, como não poderia deixar de ser, é que a Universidade dos Açores possui batimetria detalhada dos fundos marinhos. Tanto o Departamento de Oceanografia e Pescas, para mapear os habitats marinhos [*], como o Departamento de Geociências, para compreensão da lógica geológica marinha, têm mapas com elevada precisão dos mares dos Açores. Não teria sido boa ideia enviar os dados obtidos pelo navegador recreativo para qualquer destes departamentos, para que os pudessem verificar? Para além disso, não seria normal e lógico que, a haver uma missão de exploração daquela informação, esta se fizesse com base nos navios de investigação do Governo dos Açores e que são geridos pelo Centro do Instituto do Mar da Universidade dos Açores? Ou usando o submarino da Fundação Açoriana Rebikoff-Niggeler? Sinceramente, desde a publicidade irrefletida e exagerada [*] a uma alegação altamente duvidosa [*], até à reação das entidades responsáveis [*], parece-me que esta é a forma errada de tratar o mar que pretendemos que seja nosso. Nas obras de ficção com palco no Mar dos Açores, como no “Capítulo 41” de Pedro Almeida Maia, que aproveito para aconselhar, este tipo de referências são plausíveis e desejáveis, mas em órgãos de comunicação social? Como se fizesse parte de uma inquestionável realidade? Isso não.
O mar real, com os seus fundos palpáveis, com organismos marinhos, com a sua cultura marítima e com espaço para infinitas atividades aquáticas, é suficientemente complexo e aliciante para quem tem o espírito polvilhado de água salgada. Vou mergulhar!